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11 de março de 2011

DAS COLÔNIAS AS RUAS

Esta manhã tive vontade do sítio.
 
 Não que eu seja um eterno saudosista mal resolvido. Mas existem cenas em nossa vida que acontecem hoje que automaticamente nos remetem ao ontem. Pela manha andando pela minha rua deparei com várias pessoas saindo de suas casas. Algumas casas com varandas escondias, escondiam que ali era um lar. Algumas casas ladeadas de cercas elétricas denunciavam em silêncio o medo da violência. Algumas casas monitoradas por câmeras relatavam o controle daqueles que ali passavam. Algumas casas vigiadas por cães raivosos que procuraram alguém para devorar. Mas o que eu tenho haver com tudo isto? Com o medo, a violência, o individualismo? Afinal sãos vizinhos. Talvez porque o caos da violência que vivemos me fez uma suspeita. Hoje o individualismo exagerado nos aprisionou dentro de nossa própria casa. Temos medo do outro, aliás, imaginamos no outro tudo aquilo que temos de medo. O que dizer então dos vizinhos, esses iguais os meus que negam um bom dia, um olhar, um aceno. Negam, negam, aliás, fazem como se não existíssemos. Que saudade me deu daquela colônia como assim era chamada. Sítio Carandá, Colônia do Sapo, Fazendo 7S, Pedreira Morada do Sol, Pedreira Ouro Fino. Ali naquela simplicidade, pobreza, humildade era um lar. Cada um tinha seu lar. Casas sem proteção, muitas conjuminadas, parede e meio. Todo mundo conhecia todo mundo. Todo mundo saia de manha para o trabalho, para o mesmo ônibus de rurais, para o mesmo canavial, para o mesmo pomar. Partilhavam seus suores, seus cafés, suas marmitas com a troca de misturas. Favores sem nada esperar em troca. Que saudades de nossas galinhas invadindo os quintais dos vizinhos, que saudade dos vizinhos partilhando o milho-verde, o curau, a pamonha, o bolo de fubá. É minha gente, no sítio era assim. Que saudades do emprestado do vizinho, mamãe pedia para irmos à vizinha e a gente dizia assim: “dona Maria. Minha mãe pediu pra ver se a senhora empresta um pacote de arroz e no pagamento ela devolve...”, mas do que depressa lá estava o pacote de arroz. Tantas outras coisas também emprestávamos; a banha, o feijão, o açúcar, o óleo. No sítio sempre o nosso vizinho era o socorro mais próximo. Quantas vezes precisamos uns dos outros. No sítio existiam poucas inimizades, estávamos todos no mesmo barco. As prosas de nossos pais no fim da tarde sentados embaixo de uma paineira recordando o dia de labuta e de luta. Vizinhos de troca de olhares, fumaça de um cigarro de palha, de uma cachaça partilhada. Vizinhos que aos poucos iam se entrelaçando tornado compadres, família. Vizinhas que se acompanhavam na ida a cidade. Vizinhas comadres, das dores dos partos. Vizinhas que se acordam com a missão de acender o velho fogão à lenha. Vizinhas que se dialogam na lavagem da roupa, naquele tanque de puro cimento.O ontem se foi. Os vizinhos bons ainda restam alguns. Ainda existem aqueles que são vizinhos-família. No entanto há muitos vizinhos que se escondem em suas casas, chamadas de lares ajudando num mundo individualista e frio.Esta manhã voltei triste, não pelo passado, mas porque nos três anos que moro aqui ainda não conheço meus vizinhos. Se continuarmos assim teremos poucas oportunidades de testemunhar nossos vizinhos, pois a sociedade moderna tem seqüestrado nosso presente para que tenhamos muito pouco o que falar do nosso passado, mesmo que seja de nossos tão próximos vizinhos.As ruas e casas de hoje, jamais serão aconchegantes como as nossas velhas e extintas colônias.